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A Música e o Cérebro

16 Jul

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Nesta época de festivais de música, concertos ao ar livre, noites quentes em bares ou simplesmente nas nossas casas (a ouvir música); nada melhor do que reflectir acerca de algumas questões relacionadas:

  • Porque é que gostamos tanto de música?
  • Porque é que a música é tão importante em todas as sociedades, culturas e ao longo das épocas?
  • Qual a sua função?

Um dos investigadores que mais se tem dedicado ao estudo desta área chama-se Daniel Levitin, um neurocientista da McGill University em Montreal. Muitos dados que aqui vos trago são da sua autoria.

O Daniel Levitin tem uma história interessante de vida: é originário de São Francisco, onde nasceu em 1957, inicialmente estudou engenharia electrónica e música. Nos anos 70 acaba por deixar os estudos para se dedicar a ser músico e produtor musical, atingindo bastante sucesso nesta área. Aos seus 30 anos decide voltar aos estudos e tirar o curso de Psicologia e Ciências cognitivas na Stanford University. Posteriormente decide dedicar-se a ambas as paixões: a neurociência e a música. Tornou-se um famoso neurocientista que se especializou no estudo dos efeitos da música a nível cerebral, escreveu um livro intitulado “This Is Your Brain On Music: The Science of a Human Obsession“, que eu ainda não li, mas que estou cheio de vontade de ler!

Mas vamos voltar ao caminho e tentar responder às perguntas…

Neste momento aconselho escolher uma música da sua preferência enquanto lê este texto (para por as coisas em prática!). No entanto vou deixar uma da minha preferência para os mais preguiçosos.

Porque é que gostamos tanto de música?

Já antes, num artigo deste blog intitulado “Música e dopamina“, tinha escrito acerca do efeito que a música produz no cérebro através da libertação de dopamina e que leva a sensações de prazer, euforia e aumento da energia.

250px-Superior_temporal_gyrusMas outra pergunta é: porque gostamos de determinadas músicas ou géneros musicais? O Daniel Levitan e colaboradores investigaram isto. Chegaram à conclusão que quanto mais estimulação determinada música provoca no nucleus accumbens (área cerebral responsável pela formação de expectativas) maior a possibilidade de gostar de determinada música. Outra área do cérebro, o giro temporal superior (que está intimamente ligada nucleus accumbens), é também importante e está relacionado com algo a que podemos chamar “educação musical“. A sua formação depende da música que foi ouvida durante a vida, funcionando como um armazenamento da “memória musical”, por exemplo, alguém que tenha ouvido muito jazz ao longo da vida tem maior probabilidade de gostar de um trecho de jazz que nunca tenha ouvido.

No fundo o nosso cérebro funciona como uma espécie de “motor de recomendação musical”!

Porque é que a música é tão importante em todas as sociedades, culturas e ao longo das épocas?

Muito acontece no nosso cérebro quando ouvimos música. Estudos mostram que áreas cerebrais envolvidas no movimento, memória, atenção e planeamento, ficam activas quando estamos a ouvir música. Portanto, passa-se muito mais no cérebro do que simplesmente “processar música”.

Outra coisa interessante que se verifica é o seguinte: não é natural sentirmo-nos confiantes e bem no meio de uma multidão de 20 ou 40 mil pessoas, pois não? Mas na realidade isso acontece quando estamos num festival ou num concerto musical! A música parece ter uma função importante: a de unir as pessoas! Algo que dificilmente se encontra noutras formas de arte.

music middle ageA música tem uma capacidade única de acordar emoções, despertar memórias (quantas vezes ouvir determinada música nos lembra de umas férias, de um amigo, de uma altura da nossa vida?) e intensificar experiências sociais. Isto está relacionado com algo a que chamamos neurónios espelho (que se pensa terem como função permitir ao indivíduo compreender o significado e intenção de um determinado sinal comunicativo – ver este artigo para mais detalhes).

Talvez isto ajude a explicar a sua importância e universalidade em inúmeras culturas e épocas.

Qual a sua função?

Muitas vezes a música é comparada à linguagem, é também uma forma de comunicação e muitos dos componentes cerebrais activos nestes processos são os mesmo.  No entanto, a primeira é muito mais “misteriosa”, de facto a sua razão de ser permanece no fundo desconhecida. A música não têm nenhuma utilidade óbvia, é difícil de definir (todos sabemos o que é música, mas conseguiremos mesmo por limites necessários para uma definição?). Como explicar então a sua universalidade e manutenção ao longo do tempo?

the only thing that makes sense?Como vimos antes a música facilita a interacção entre grupos, pondo-os “em sintonia”. Por isto, pensa-se que poderá ter um papel importante na sociedade como factor de coesão e organização da nossa arquitectura social! E há inúmeros exemplos históricos de lideres (de nações, políticos, religiosos, etc.) que compreenderam e utilizaram este poder para influenciar populações.

Recentemente, neurocientistas mostraram que a música ajuda na aprendizagem, na formação de memórias, no controlo de estados de ansiedade e mesmo na organização do conhecimento.

A música (tocar ou ouvir) tem também importantes funções na neuroplasticidade cerebral (ver este artigo  do blog), ou seja não deixa “enferrujar o cérebro”.
Isto são algumas das funções encontradas para a música, mas o mistério persiste… e ainda bem porque a vida sem mistérios não tem piada nenhuma! 

Fico por aqui e recomendo a página do Daniel Levitin: http://daniellevitin.com, que disto sabe muito mais que qualquer outro!

Abraço e… boas músicas sempre!

DG 2013

 

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9 responses to “A Música e o Cérebro

  1. Maria Florinda Cordeiro

    21 de Julho de 2013 at 8:13

    Artigo de excelente qualidade o qual nos leva ao universo maravilhoso da música. Amo a música. Aprendi a desenvolver o gosto pela música na minha infância, mas acredito que a música deva ser desenvolvida muito mais cedo. Hoje já há música para os bebés, já se inicia a perceção musical desde muito cedo e isso é fantástico!!!! Na realidade, já encontrei pessoas totalmente “iletradas” na sua perceção musical. Não é questão de cultura musical, mas na capacidade de sentir a música, de criar emoções positivas ou negativas em relação a alguma música.
    Não é por acaso que existe um tipo de terapia muito apreciada em alguns países chamada MUSICOTERAPIA, em que há um envolvimento total do indivíduo com a natureza musical.
    Música é produto dos deuses…

     
  2. Reflexões de um Psiquiatra

    22 de Julho de 2013 at 16:49

    Deixo aqui o comentário que escrevi em resposta a uma pergunta noutro post: https://reflexoesdeumpsiquiatra.com/2013/05/08/musica-e-dopamina/

    Penso ter interesse para a discussão:
    “Olá Ana,

    Obrigado pelo comentário e pelas perguntas… É muito bom ver o interesse das pessoas sobre algo que se escreve.
    Quanto à questão, existe uma revisão na Cochrane Library (a referência da “medicina baseada na evidência”) sobre isso, que tem a seguinte conclusão: “Music therapy as an addition to standard care helps people with schizophrenia to improve their global state and may also improve mental state and functioning if a sufficient number of music therapy sessions are provided. Further research should address the dose-effect relationship and the long-term effects of music therapy”.
    Ver aqui: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD004025.pub2/abstract
    Eu não li o artigo por completo, mas parece-me prometedor.

    Suponho que o estilo de música tenha alguma influência mas não muita… isso dependerá mais das nossas “memórias musicais”/ “gostos”.

    O artigo em questão é mais no geral, mas olhando para a patologia (neste caso a esquizofrenia), percebo a dúvida relativa à dopamina… As teorias mais antigas reduziam a esquizofrenia a “aumento da actividade da dopamina”, mas hoje em dia sabe-se que é bem mais do que isso. Há vários neurotransmissores envolvidos, numas áreas pode até haver aumento da dopamina, mas noutras existe redução (sobretudo no que se refere aos défices causados pela doença de um ponto de vista cognitivo).

    Eu acho que “dar música” aos doentes poderá ser bom, mas como em tudo “não há receitas mágicas” e sublinho que apesar da evidência apontar no sentido de benefícios, é sempre referido “como adjuvante” ao tratamento… O abandono da terapêutica (apesar das suas limitações actuais) é um problema muito sério na Esquizofrenia e algo difícil de resolver, por isso reforço a ideia da musicoterapia como adjuvante.

    Espero ter ajudado! Um abraço!
    DG”

     
  3. Alexandra Santana

    7 de Março de 2014 at 1:17

    É sublime a forma como ciência e arte se conseguem unir! Parabéns por mais uma muitíssimo pertinente partilha! Um livro para acrescentar à lista para as leituras deste ano!Este tema é muitíssimo pertinente e fascinante! Continuação de boas escritas que deste lado recebem-se inspirações!

     
  4. Blonski Saxofonista

    21 de Outubro de 2015 at 23:38

    Parabéns ! Ótima Matéria Introdutória sobre o tema !

     

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