Estou preocupado (já o tinha referido num anterior post) e acho que todos deveríamos estar preocupados com este assunto: as consequências da crise na Saúde (mental e não só) e quais as medidas que realmente se têm tomado para minimizar as mesmas.
Deixo duas referências que podem ajudar nesta reflexão (uma notícia e os dados de um relatório, ambos muito recentes).
1) Notícia retirada do site do Expresso, de 18 de Junho de 2013
Doentes mentais faltam a consultas e diminuem ou abandonam medicação
O coordenador nacional para a saúde mental afirmou hoje que as pessoas com problemas crónicos nesta área têm faltado mais do que era comum às consultas e, em alguns casos, diminuíram ou abandonaram a medicação por carência económica.
Álvaro de Carvalho falava à agência Lusa à margem da apresentação do Relatório da Primavera 2013 do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), que hoje decorreu em Lisboa.
“Tenho falado com colegas que são os diretores dos departamentos de psiquiatria e saúde mental dos hospitais gerais – que já são cerca de 40 — para saber qual a situação”, explicou.
Nessa “avaliação relativamente informal”, o psiquiatra apurou que “sobretudo as pessoas com problemas crónicos e tendencialmente incapacitantes de saúde mental estão a faltar mais do que era comum às consultas”.
“Em alguns casos, esses doentes abandonaram ou diminuíram significativamente as medicações”, disse, alertando para os riscos de descompensação que essas pessoas correm.
Segundo Álvaro de Carvalho, a situação também se regista em outras áreas da saúde e “é fruto da carência económica em geral e do agravamento do custo dos transportes”.
“Temos um conjunto de fatores que são consequência da crise económica e social que vem agravar a qualidade do estado de saúde e potencialmente agravar o estado de saúde individual dessas pessoas, uma vez que a paragem da medicação ou uma medicação apenas parcial vai pôr em causa a boa evolução que havia até aí”, sublinhou.
Relativamente aos dados apresentados pelo OPSS referentes à Unidade Local de Saúde do Alto Minho, onde se verificou, de 2011 para 2012, um acréscimo no diagnóstico de depressão de 30 por cento para os homens e 31 por cento para as mulheres, o psiquiatra classificou-os de “fenómenos previsíveis”.
Nessa Unidade Local de Saúde, registou-se um acréscimo de 35 por cento para os homens e 47 por cento para as mulheres de tentativas de suicídio.
O especialista em saúde mental sublinha que, tendo em conta a origem da descompensação destas pessoas, nomeadamente o desemprego, não será o recurso aos serviços de saúde a resolver o problema.
“A intervenção clínica pode minimizar, mas não vai à causa do problema, que é obviamente extra saúde”, adiantou.
2) Relatório Primavera 2013: “duas faces da saúde” do Observatório Português dos Sistemas de Saúde. Podem ver aqui: http://www.observaport.org/rp2013.
Algumas passagens relevantes:
Página 30: O aumento da ansiedade e depressão em Portugal tem vindo a ser identificado por diferentes fontes: questionários sobre as perceções dos profissionais e registos clínicos dos médicos de família.
Página 46: Estudos que analisaram dados de 26 países da União Europeia (UE), entre 1970 e 2007 concluíram que, nos indivíduos com idades inferiores a 65 anos, cada aumento de 1% na taxa de desemprego estava associada a uma subida de 0,79% na taxa de suicídio. Para aumentos superiores a 3%, na taxa de desemprego este impacte era mais significativo, com uma subida de 4,45% na taxa de suicídios e de 28% nas mortes decorrentes do consumo excessivo de álcool
Página 50: Em Portugal, não são conhecidos estudos que avaliem o impacte da crise na saúde mental das pessoas.
Página 101: São visíveis os efeitos da crise (pouco monitorizados e avaliados), não só na saúde da população, mas também no sistema de saúde, agravados pela ausência de apoio àqueles que são os projetos estratégicos, de médio e longo prazo, deste setor.
Página 102: Durante os últimos 4 anos, nos quais o OPSS tem realizado análises precisas, independentes e periódicas, identificando, recolhendo e produzindo informação e conhecimento sobre a evolução do sistema de saúde português e dos seus condicionantes, tem também chamado anualmente, a atenção para a “crise e a saúde”, através de relatórios detalhados – elaborados com recursos muito escassos – não existe ainda em Portugal um diagnóstico oficial sobre esta matéria, a partir do qual seja possível organizar no terreno uma resposta adequada aos efeitos da crise na saúde. (…) Não seria de esperar que o Ministério da Saúde realizasse um diagnóstico e monitorizasse os efeitos da crise na saúde e que por sua vez, o OPSS analisasse e criticasse as medidas implementadas e os seus resultados? Não existindo esse diagnóstico, não temos respostas atempadas, não temos respostas integradas e não temos naturalmente respostas eficazes. Isso é preocupante.
Para pensar… Será que o Ministro da Saúde, que de tão boa fama goza, está realmente a fazer um bom trabalho?
Um abraço
DG 2013
opaisquetemos
22 de Junho de 2013 at 10:37
Caro Dr. Diogo Guerreiro,
A actual crise económica que o país atravessa e sem fim à vista, vai contribuir em larga escala para o aumento de doenças do foro da saúde mental, que o actual ministro da saúde é leigo na matéria.
Na minha página do Facebook, http://www.facebook.com/carlos.piteira.10, como também no meu blog, http://opaisquetemos.wordpress.com/category/saude/, tenho alertado para as consequências sobre este tema.
Dado que as condições económicas de muitos portugueses e também a falta de conhecimentos sobre este assunto, impede muitos de procurar apoio, acredito que seria importante a nível de comunidade criar workshops, a fim de dar apoio a pessoas em risco e a familiares de pessoas já afectados.
Sinceramente,
Carlos Piteira
Reflexões de um Psiquiatra
22 de Junho de 2013 at 12:45
Concordo Carlos. Mas ainda acharia melhor que em vez das pessoas protestarem só por protestar (com objectivos muito generalistas) se organizassem em movimentos cívicos que lutassem por objectos específicos.
Abraço
opaisquetemos
22 de Junho de 2013 at 13:06
Caro Dr. Diogo Guerreiro,
Estou plenamente de acordo com a sua opinião. Infelizmente, não existem movimentos estruturados com objectivos concretos.
Os melhores cumprimentos
Reflexões de um Psiquiatra
22 de Junho de 2013 at 13:10
Mas podem haver. Haja vontade.
… N me trate por dr. eu aqui sou só Diogo… 😉
Ana Matos Pires
22 de Junho de 2013 at 11:44
Parece que o Relatório da Primavera já teve consequências, ouvi o Paulo Macedo a dizer na rádio, julgo que na quinta feira, que iria pedir um estudo sobre o efeito da crise na saúde dos portugueses
Reflexões de um Psiquiatra
22 de Junho de 2013 at 12:42
Vamos lá ver q tipo de estudo: o correcto ou o que dá jeito! 😉
Bjs