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As bases biológicas do nosso Eu

28 Out

Todos somos diferentes… E ainda bem que assim o é!

De facto, é nesta diversidade que residem, a meu ver, alguns dos melhores atributos da nossa espécie: a capacidade de ver as coisas de forma diferente, de criar coisas inovadoras, de trabalhar em colaboração e de juntos conseguirmos atingir objectivos que de forma isolada seriam inatingíveis.

No entanto, todas as pessoas possuem algo chamado temperamento, que corresponde à base biológica de determinadas facetas da nossa personalidade. É a partir destes traços biologicamente determinados, que iremos completar a tela daquilo que somos: com as nossas experiências, com a educação que temos, com o ambiente em que estamos inseridos, etc.

Piet Mondrian

Piet Mondrian

Quem não reparou já que determinadas pessoas são por norma mais intempestivas e que outras parecem reagir com um calma fora do normal a todas as situações? Que certas pessoas parecem andar sempre numa constante montanha russa de emoções enquanto que outras parecem estar sempre tristonhas? E quem não reparou, que logo desde a nascença, podemos observar que determinadas crianças são mais irrequietas, enquanto que outras são mais calmas ou que determinados bebés parecem andar sempre irritados?

O nosso nível de actividade basal, a nossa acção, a nossa resposta emocional  predominante são os principais factores do temperamento inato do indivíduo.

Já há mais de 2000 anos que Hipócrates e Galeno desenvolveram a “teoria dos humores”, referindo existirem quatro temperamentos que dependeriam do equilíbrio dos diferentes humores (sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra): Sanguíneo; Fleumático; Colérico e; Melancólico. Segundo estes os temperamentos eram disposições corporais, que determinavam a susceptibilidade do indivíduo a determinadas doenças, mas também a determinadas tendências comportamentais ou emocionais.

Desde aí muitos Neurologistas, Psiquiatras e Psicólogos estudaram e tentaram sistematizar quais os atributos da nossa personalidade que teriam uma origem mais biológica (hereditária, genética). Uma das hipóteses mais recentes é a dos temperamentos afetivos, desenvolvida no final dos anos 90 por Akiskal (e colaboradores) e que tem sido suportada por achados neurobiológicos (na área da neuroimagem, da genética molecular, etc.). Segundo este modelo existem 5 tipos de temperamentos:

  • Temperamento depressivo: indivíduos pessimistas, inibidos, indecisos e passivos. Caracterizados pela tendência a resignar-se ao seu papel social e às regras, tal como pela abnegada dedicação aos outros.
  • Temperamento ciclotímico: indivíduos que apresentam mudanças bruscas de humor e energia, que com tanta facilidade se apaixonam como se desinteressam. São, por regra, pessoas bastante criativas.
  • Temperamento irritável: descreve indivíduos em que a irritabilidade é uma característica marcante e constante. Frequentemente são coléricos e mal-humorados. A elevada impulsividade é também um indicador deste tipo de temperamento.
  • Temperamento hipertímico: caracteriza-se por uma disposição individual caracterizada por elevada energia vital, autoconfiança, exuberância e optimismo. Procuram estímulos intensos e apresentam dificuldade em lidar com a monotonia.
  • Temperamento ansioso: descreve uma disposição de personalidade exagerada direcionada à preocupação. Caracteriza-se por um estado basal de ansiedade, com agravamento em situações específicas, nomeadamente em alturas em que são postos à prova.

A predominância de um tipo temperamental poderá levar a uma maior predisposição para determinadas doenças psiquiátricas ou para determinado tipo de comportamentos “mais patológicos”. Por outro lado estes atributos temperamentais também conferem determinadas vantagens do ponto de vista evolucionário (nem tudo é preto ou branco!), por exemplo pessoas com temperamento ciclotímico apresentam tendencialmente mais criatividade (sendo isto óptimo para quem se dedica à arte por exemplo); pessoas com temperamento ansioso, têm maior tendência para se preocuparem com os detalhes (óptimo para actividades em que é necessário ser minucioso); as pessoas com temperamento irritável são óptimas para serem os “inquietos da sociedade” levando frequentemente a mudanças; os hipertímicos têm uma capacidade extraordinária de trabalho (óptimos para empregos com 3 telefones e 5 emails); pessoas com temperamento depressivo são muitas vezes excelentes cuidadores, com uma capacidade impar de tomar ajudar os outros com os seus problemas.

No entanto, tal como na pintura de Piet Mondrian, os temperamentos são apenas traços de base, as cores, as formas, virão depois com todas as coisas que contribuem para formar o nosso eu!

Abraço

DG 2013

PS: No próximo sábado vou estar presente no IX Congresso Nacional de Psiquiatria e irei apresentar alguns resultados de uma investigação que fiz a propósito da relação entre temperamentos afetivos e comportamentos de autolesão em adolescentes. Fica aqui o link do artigo que publicamos no Journal of Affective Disorders para os interessados.

 

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One response to “As bases biológicas do nosso Eu

  1. Lucileia Campos

    15 de Agosto de 2016 at 19:00

    Muito esclarecedor!!

     

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