Um espaço de pensamento e ideias pessoais acerca de saúde mental, quotidiano, crises e alegrias. Por Diogo Guerreiro, Médico Psiquiatra e autor do livro “E quando não está tudo bem?”.
📺 Partilho convosco a entrevista que dei, há algumas semanas, no programa “Portugal em direto”: sobre ansiedade, depressão e focando o meu livro 📕 “E quando não está tudo bem? Como (re)conhecer e agir na ansiedade e na depressão”. 💪🧠
Diogo Guerreiro, RTP Portugal em Direto (Novembro 2022)
Espero que gostem e seja útil. Obrigado e boa semana. 🙏
Com o desenrolar dos acontecimentos e a recomendação, por parte das autoridades de saúde, de restrição dos contactos sociais, tive de ponderar sobre a melhor decisão a tomar em relação ao acompanhamento dos meus pacientes, de modo a salvaguardar o melhor interesse dos doentes e da sociedade.
Assim sendo, passarei a realizar as minhas consultas em telemedicina (Zoom, WhatsApp, Doxy, Skype ou telefone), atendendo presencialmente apenas casos urgentes e que não consigam realizar a consulta à distância.
Compreendo que esta solução possa não ser ideal, mas é a mais segura para todos. O tempo que vivemos é complicado e ansiogénico e, também por isso, é importante adaptar-me de modo a poder continuar a prestar a meu apoio como médico psiquiatra sem descurar a segurança de todos.
Reavaliarei a situação a cada semana para, se tal for adequado, rever a decisão.
Manterei os agendas abertas nas horas habituais, sendo as marcações, confirmações e honorários tratados, como habitualmente, pelas clínicas onde trabalho (por telefone ou email):
Vivemos tempos de incerteza e receio. Um novo vírus, medidas de precaução, afastamento social, quarentenas, inundação de notícias (falsas e verdadeiras), fechos de locais de ensino, perturbação das nossas rotinas. Pandemia… e também pandemónio (embora seja possível tomar medidas para prevenir a difusão de ambos).
Não será de estranhar que a nossa saúde mental se venha a ressentir, pois os impactos do coronavírus existem bem para lá das situações de saúde que ele provoca. No entanto, mesmo em alturas de crise, é possível (e essencial) cuidarmos da nossa saúde mental!
A informação é uma das mais poderosas armas que temos à nossa disposição. Tentar gerir as nossas ansiedades e medos (por mais válidos que sejam) é também fundamental, por nós, mas também pelas pessoas que nos rodeiam (especialmente as crianças).
O que é o coronavírus?
O coronavírus (nome técnico SARS-CoV-2 – Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) trata-se de um vírus da família dos coronavírus que afeta os humanos e que causa infeções respiratórias, desde situações mais ligeiras (a maior parte) até casos mais severos. Trata-se de um novo vírus, apesar de parecido com SARS responsável por um surto em 2003. Surgiu em Wuhan na China, em Dezembro de 2019 e desde aí tem viajado pelo globo afetando milhares de pessoas de todos os continentes. A doença que provoca, a COVID-19 (coronavírus disease 2019), foi recentemente declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma pandemia, razão pela qual é tão importante aplicar medidas de contenção do vírus, prevenir a sua difusão, especialmente nas populações mais frágeis, e trabalharmos todos em conjunto, a uma escala global, de modo a reduzir as possíveis complicações e mortalidade relacionada com a COVID-19. Neste momento, não existe tratamento específico ou vacinação para a doença.
Lavar as mãos frequentemente. Deve lavá-las sempre que se assoar, espirrar, tossir ou após contacto direto com pessoas doentes. Deve lavá-las durante 20 segundos (o tempo que demora a cantar os “Parabéns”) com água e sabão ou com solução à base de álcool a 70%;
Medidas de etiqueta respiratória: tapar o nariz e a boca quando espirrar ou tossir, com um lenço de papel ou com o antebraço, nunca com as mãos, e deitar sempre o lenço de papel no lixo;
Medidas de distanciamento social: mantenha, pelo menos, 1 metro de distância entre si e alguém que apresente sinais de doença respiratória (ex: tosse, espirros, febre).
Evitar tocar na cara com as mãos;
Evitar partilhar objetos pessoais ou comida em que tenha tocado.
Se apresentar sinais de doença, como febre, tosse e dificuldade respiratória, deve ligar para a linha SNS 24 (tel: 808 24 24 24).
Como tomar conta da nossa saúde mental em tempo de pandemia?
Surtos de doenças infeciosas, como o atual coronavírus, podem ser assustadores e podem afetar nossa saúde mental. Embora seja importante manter-se informado e tomar todas as medidas de proteção para impedir o contágio pelo vírus, também há muitas coisas que podemos fazer para manter e tomar conta do nosso bem-estar mental (e físico) durante estes períodos.
Ficam aqui algumas dicas, que espero que ajudem, a cuidar da sua saúde mental neste momento em que se fala tanto de ameaças à nossa saúde física:
Limite a exposição aos media (TV, jornais, redes sociais) e procure fontes de informação confiáveis: o desconhecido causa muitos medos, rumores e especulações. Existe muita informação, muito alarme e muitas notícias menos corretas (fake news). É natural desejarmos saber o máximo sobre qualquer ameaça para nós ou para os nossos entes queridos, mas estamos perante um agente desconhecido, que ainda não percebemos na totalidade e, assim sendo, nunca nos iremos sentir satisfeitos com a quantidade de informação que possuímos. Isto alimenta muito o nosso medo e ansiedade. É importante selecionar uma ou duas fontes de informação, confiáveis, sobre este tema (sugiro o site da OMS e o da DGS) e restringirmo-nos a estes.
Siga, de forma decidida, as recomendações das autoridades de saúde: se há um momento em que devemos seguir recomendações é este! Ninguém é perfeito, pode haver falhas, mas nada pior do que cada pessoa decidir de forma individual o que fazer para combater esta pandemia. Coordenação é essencial!
Tome conta de si mesmo: o autocuidado, durante esta fase, baseia-se em focar-se nas coisas que pode controlar (como medidas de higiene e de manutenção da saúde), em vez daquelas que não pode (parar o vírus). Sempre que possível, mantenha sua rotina diária e atividades normais: comer refeições saudáveis, dormir o suficiente e fazer as coisas que gosta. Considere criar uma rotina diária que priorize seu bem-estar e saúde mental positiva. Atividades, como ler, meditar, cozinhar uma refeição diferente ou fazer exercício (evite os ginásios, pode fazê-lo em casa), podem ajudá-lo a relaxar e terão um impacto positivo em seus pensamentos e sentimentos. Pode também aproveitar para recuperar algum tempo de sono, que deve a si mesmo há muito tempo (durma mais, faça umas sestas).
Mantenha-se em contato com outras pessoas e apoie as pessoas ao seu redor: apesar de estarmos em período de evitar ao máximo sair de casa e reduzir os contatos físicos com outras pessoas, é possível utilizar as novas tecnologias para falar com amigos e familiares, estar presente mesmo à distância. Discutir as suas preocupações e sentimentos pode ajudá-lo a encontrar maneiras de lidar com os desafios. Receber apoio e cuidados de outras pessoas pode trazer uma sensação de conforto e estabilidade. Ajudar outras pessoas num momento de necessidade, falar com alguém que possa estar a sentir-se sozinho ou preocupado pode beneficiar tanto a pessoa que recebe apoio, quanto quem está a ajudar.
Reconheça seus sentimentos: é normal sentir-se preocupado, angustiado, “stressado” ou chateado. Na realidade, na situação atual, é perfeitamente normal sentir toda o tipo de reações emocionais, aceite-o. Reserve um tempo para perceber e para expressar o que está a sentir: faça-o através da escrita ou de outra forma de expressão artística, converse com amigos e família, pratique meditação.
Fale com seus filhos sobre o que se está a passar: de forma simples, adaptada à idade. Responda às perguntas e compartilhe factos sobre a COVID-19 de uma maneira que as crianças possam entender. Responda às reações do seu filho de maneira empática, ouça as suas preocupações e ofereça carinho, atenção e apoio extra. Tranquilize os seus filhos, dizendo-lhes que estão seguros e que todos estão a dar o seu melhor para superar esta crise. Diga-lhes que está tudo bem se eles se sentirem chateados, zangados ou ansiosos. Partilhe com eles como é que lida com a sua própria ansiedade, mesmo que lhes diga que não sabe tudo e que para si também está a ser difícil.
Não entre em modo de “histeria generalizada”: não vá a correr aos supermercados e farmácias comprar tudo o que vir à frente, e arriscar nas multidões ser efetivamente contaminado e por em perigo a sua família. Não partilhe noticias menos fidedignas nas suas redes sociais. Não vá a correr para hospitais e centros de saúde com o primeiro dos sintomas, confie nos médicos e nas autoridades de saúde; ligue para o SNS 24 – 808 24 24 24.
Não entre em modo de “negação”: isto não é uma “gripe qualquer”, trata-se de algo muito sério. Deve mesmo cumprir as medidas de segurança e de quarentena. Não é para ir para a praia, para restaurantes, para combinar encontros com amigos dos filhos. Está a colocar-se a si, à sua família e a toda a comunidade em perigo!
Se tem alguma doença psiquiátrica de base é importante manter o tratamento: tenha medicação suficiente para pelo menos um mês, não interrompa, mas também não aumente sem falar com o seu médico. Existem possibilidades de consulta à distância com os médicos e com os psicólogos. Não interrompa o tratamento, especialmente nesta altura de maior stress psicológico.
Em isolamento ou quarentena, planifique rotinas: é muito difícil vermo-nos restringidos da liberdade de irmos ter com um amigo, ou tomar um café na pastelaria da esquina. Mas o que tem que ser tem que ser. Poderá ajudar ver esta fase como um período de tempo diferente na sua vida, e não necessariamente mau (mesmo que isto não seja uma escolha sua). Será uma altura com um ritmo de vida diferente, uma hipótese estar em contato com os outros de maneiras diferentes da habitual (telefone, email, redes sociais). Crie uma rotina diária em que a prioridade é cuidar de si mesmo. Tente ler mais ou assistir a filmes em casa, ter uma prática de exercícios, experimentar novas técnicas de relaxamento ou encontrar novos conhecimentos na internet. Tente descansar e ver isso como uma experiência nova e incomum, que pode ter seus benefícios.
Não estigmatize pessoas que tenham sido contagiados ou que estejam em quarenta: trata-se de uma infeção viral, com o potencial de infectar qualquer um de nós. Já é assustador ter a doença e ter noção que poderá ter contagiado outros, não é preciso fazer a pessoa sentir-se pior. Vamos focar-nos em seguir as recomendações das autoridades e “diminuir a curva”.
Tome conta de si e ajude a proteger os outros. Seja solidário, seja paciente. Juntos e com “a cabeça no lugar” poderemos responder, da melhor maneira possível, a este grande desafio.
Uma organização do Reino Unido promove o dia do “Tempo para Falar” (“Time to Talk”) sobre a Saúde Mental. O objetivo é diminuir a descriminação e o estigma a que muitos dos que sofrem com doença mental estão sujeitos… e isto pode ser feito de forma simples: falando sobre o assunto!
Neste site existe um vasto conteúdo, que todos podemos utilizar para sensibilizar sobre este tema. Estão disponíveis mais de 1000 histórias pessoais.
Aqui está um excerto retirado do site:
“Cerca de 1 em cada 4 pessoas terá um problema de saúde mental este ano, mas a vergonha e o silêncio podem ser tão maus quanto o próprio problema de saúde mental. A sua atitude em relação à saúde mental pode mudar a vida de alguém“.
Que não hajam dúvidas em relação a isto, a atitude de todos nós perante a Saúde Mental pode levar a mudanças substanciais na qualidade de vida dos outros… Por isso, fale sobre isto…
Pessoalmente concordo com esta petição e cumpro com o dever de a fazer chegar ao maior número de pessoas, que certamente saberão avaliar da sua pertinência e actualidade.
Agradeço que subscrevam a petição e que ajudem na sua divulgação para os vossos contactos.
Infelizmente isto acontece mesmo… As frase que os meus doentes com depressão dizem ouvir de familiares, amigos, conhecidos, colegas, são exactamente estas (sem tirar, nem por… com excepção do sotaque brasileiro). Já imaginou o que estes sentem?
A depressão não é uma situação que se possa resolver de forma voluntária, as pessoas deprimidas não conseguem simplesmente controlar os seus pensamentos e atitudes e ficar melhores.
O European Brain Council nomeou o ano 2014 como o Ano do Cérebro na Europa.
Esta iniciativa tem o apoio de mais de 200 organizações que representam doentes, comunidades científicas e profissionais de saúde, das várias disciplinas que se focam no estudo do cérebro. Para além de vários comissários europeus, o projeto também recebeu o apoio significativo e entusiasta por parte do Parlamento Europeu e dos Estados-membros da União Europeia.
Com o lançamento do ano do cérebro na Europa em 2014, pretende-se conseguir consciencializar e educar, alcançando um impacto significativo na modificação das percepções e redução dos estigmas.
O cérebro, porquê?
A estrutura mais complexa do universo encontra-se dentro de cada um de nós: o cérebro humano.
Com milhares de milhões de neurónios e uma quantidade incontável de redes de informação, apesar dos enormes progressos das neurociências nas últimas décadas, estamos longe de o compreender totalmente.
Além de fornecer a base de nossa personalidade, pensamentos, sentimentos e outras características humanas, o cérebro é também a origem de muitas doenças crónicas e incapacitantes, como é o caso das demências, com um enorme impacto na sociedade e que coloca uma crescente pressão sobre os sistemas de saúde, sobretudo à medida que as populações se tornam mais envelhecidas.
A esquizofrenia é uma das mais graves doenças psiquiátricas, que mais sofrimento trás aos doentes e aos seus familiares, cujo o tratamento é difícil e que tanto prejuízo causa a nível pessoal, profissional, familiar e social. Não vou falar muito sobre o que é a esquizofrenia, mas quero apenas referir que é uma doença mental que afecta cerca de 1% da população. Surge geralmente numa idade jovem (final da adolescência início da idade adulta). Tem 3 grupos principais de sintomas:
Sintomas positivos: comportamentos e pensamentos que não era suposto existirem, como ideias delirantes, alucinações e desorganização do pensamento.
Sintomas negativos: sintomas que determinam uma diminuição da actividade normal, como apatia, anedonia, abulia (basicamente estes três termos implicam diminuição da motivação, vontade e prazer em fazer coisas), embotamento afectivo (incapacidade de modular as emoções) e lentificação do pensamento.
Sintomas cognitivos: os mais comuns são a falta de atenção e concentração e o prejuízo da memória. Estas alterações podem ocorrer mesmo antes do primeiro surto da doença (numa fase que chamamos pródromo) e agravar-se ao longo da doença. Estes doentes têm dificuldade em planear e executar tarefas, em tomar decisões e mesmo a nível de linguagem poderão existir dificuldades.
Para mais informações sobre a doença (esquizofrenia) consultar este link.
Infelizmente o termo “esquizofrenia” é provavelmente uma das palavras que pior se utiliza. A palavra significa literalmente “mente dividida”. O Psiquiatra que cunhou este termo, Eugen Bleuler (1911-1950) pretendia que esta palavra descrevesse “a quebra com a realidade causada pela desorganização de várias funções da mente, tal como o pensamento ou os afectos, que nestes doentes não funcionavam correctamente em conjunto”. No entanto muitas pessoas utilizam frases como “sinto-me esquizofrénico” quando têm “mixed feelings” acerca de algo: “gosto desta pessoa, não gosto desta pessoa”; “quero fazer isto ou não quero?”, etc.
Mas mais grave do que isto são pessoas com responsabilidades elevadas utilizarem o termo esquizofrenia por tudo e por nada, tais como jornalistas e políticos, revelando uma enorme falta de respeito pelo sofrimentos destes doentes e familiares, que já são altamente estigmatizados e vítimas de preconceito.
São lamentáveis frases que aparecem na comunicação social e na internet tais como:
A chamada “silly season” atacou mais uma vez o país nesta fase do ano. Para não variar. Embora os sintomas, desta vez, levem à suspeita de uma afetação adicional: a da esquizofrenia. Não houve um só bicho-careta incapaz de comentários epidémicos originários da crise política gerada a partir de uma coligação governamental alvo de amuos, traições e piruetas. – Por Fernando Santos, no JN de 2013-07-08
O líder parlamentar do PS considerou esta quarta-feira que o Governo e o PSD revelam sinais de “esquizofrenia política” – Por Carlos Zorrinho, citado no CM de 2012-10-31
Ministério da Educação sofre de esquizofrenia política – Por Mário Nogueira, na TVI24 a 2012-07-13
A meu ver isto revela uma clara falta de respeito pelos doentes, famílias e técnicos de saúde que trabalham com estes doentes! Não haverá palavras melhores? Menos discriminatórias?
Digam que o governo é incompetente, incoerente, ineficaz; gritem que determinada medida é ridícula, não faz sentido ou mesmo… é uma *****!! Mas por favor parem de aumentar o preconceito contra os doentes mentais!! É uma questão de moral.
…Isto é uma daquelas coisas que me deixa furioso (daí a imagem escolhida).
Um abraço furioso a todos (e espero que alguém leia este apelo).
Empatia, é provavelmente a mais importante característica de qualquer técnico de Saúde.
O termo empatia é atribuído ao filósofo Theodor Lipps. O desenvolvimento deste conceito nas ciências psíquicas começou por Karl Jaspers, em sua obra Psicopatologia Geral (em 1913). Nesta obra, propõe que o psiquiatra, ao invés de interpretar, deve “apresentar de maneira viva, analisar em suas inter-relações, delimitar, distinguir do modo mais preciso possível e designar com termos fixos os estados psíquicos que os pacientes realmente vivenciam”
O Professor Doutor José Caldas de Almeida, director da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa define-a da seguinte forma (1): “A compreensão empática deriva da capacidade do médico se colocar na pele do doente e de o tentar conhecer melhor, recorrendo ao conhecimento que tem de si próprio”.
Por vezes sinto que o sistema actual cada vez menos valoriza esta característica. Só vejo preocupações com números, com contenção de despesas, com redução do tempo das consultas. Tantas vezes este processo é inibido pelos contextos, como a falta de privacidade em muitas unidades de saúde (sobretudo em urgências) e pelas fortes pressões de gestores que de empatia percebem zero.
Vejo muitas pessoas a queixar-se que os seus Médicos “não os ouvem”, “que não compreendem o seu sofrimento”, “que os querem despachar”… Infelizmente isto acontece cada vez mais. Mas não creio que a culpa seja fundamentalmente dos técnicos de saúde (claro que há sempre “ovelhas ranhosas”), mas sim fruto desta aceleração constante, da primazia dos números em relação à pessoa e do excesso de stress que a todos afecta.
Como pode haver capacidade de empatia num médico após 24h de urgência ? Ou que trabalha em sítios sem condições mínimas, com falta de pessoal, com falta de material, com os gestores sempre a pressionar para gastar cada vez menos e para passarem menos tempo com os doentes?
Vivemos tempos difíceis. Pode ser a minha visão parcelar, mas eu acredito muito que os médicos e os outros técnicos de saúde se esforçam muito e que não têm dúvidas que a empatia é o pilar de qualquer seguimento e tratamento bem sucedido.
Mas aqui deste lado desta “estúpida barreira” que foi criada entre médicos e doentes, as coisas não estão fáceis. Todos os dias saem notícias que visam culpar os médicos por tudo o que corre mal nos hospitais e centros de saúde, todos os dias saem notícias sobre um esquema de corrupção que envolve algum médico (habitualmente no meio de vários outros parceiros de outras áreas) e logo se generaliza “estes médicos são todos uns corruptos”. Este constante bombardeamento de notícias que visam tornar os médicos num “bode expiatório” para a visível degradação dos cuidados de saúde em Portugal fortalecem a “estúpida barreira”. Tornam os doentes e os médicos mutuamente desconfiados. Por exemplo:
– Médico: “Será que este tipo me vai por um processo, isto agora acontece tanto?”… “Será que me vai tratar com duas pedras na mão?”… “Será que vai ser agressivo comigo?”.
– Doente: “Será que este tipo me vai tratar mal?” … “Será que é daqueles médicos corruptos e baldas?”… “Será que este médico vai mesmo fazer tudo para me ajudar?”.
Como pode existir uma relação empática nestas condições? Não pode.
Interrogo-me e penso muito acerca da forma de dar a volta a este problema. Talvez fosse importante mudar o foco para os principais “players”: os políticos, os gestores hospitalares, o Ministro da Saúde, a Troika. Talvez fosse importante derrubar esta “estúpida barreira” e voltarmos a trabalhar em conjunto: os técnicos de saúde (médicos, enfermeiros, psicólogos, etc.) e os doentes e seus familiares.
Porque precisamos todos uns dos outros e porque é tão melhor trabalhar em versão empatia.
Deixo esta minha reflexão com esperança que um dia as coisas mudem para melhor.
Abraços a todos
DG 2013
(1): Referencia bibliográfica: Caldas de Almeida JM. Intervenção psicoterapêutica em clínica geral. In: Caldas de Almeida JM, Machado Nunes J, Carraça I, editores. Saúde Mental na Prática do Clínico Geral. Edições do Instituto de Clínica Geral da Zona Sul, Lisboa; 1994; p.113-120