Um espaço de pensamento e ideias pessoais acerca de saúde mental, quotidiano, crises e alegrias. Por Diogo Guerreiro, Médico Psiquiatra e autor do livro “E quando não está tudo bem?”.
Hoje celebra-se o dia mundial da Saúde Mental. Um dia de reflexão sobre o muito que existe para fazer para combater o estigma e o preconceito, para que mais pessoas tenham acesso a serviços de qualidade para vencer as doenças que mais peso têm para a sociedade.
O que é a Saúde Mental? 🧐
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a saúde mental como “o estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza as suas capacidades, pode fazer face ao stress normal da vida, trabalhar de forma produtiva e frutífera e contribuir para a comunidade em que se insere“.
Nesta definição, a “saúde mental” é entendida como um aspecto vinculado ao bem-estar, à qualidade de vida, à capacidade de amar, trabalhar e de se relacionar com os outros. Com esta perspectiva positiva, a OMS convida a pensar na saúde mental muito para além das doenças e das deficiências mentais.
Uma sugestão de banda sonora para estes dias quentes…
Gosto muito deste clássico e, apesar dos múltiplos significados que uma música pode ter, acho que esta letra toca num tema que é o “olhar para dentro” e como por vezes isso é tão difícil. Algo que vejo no meu quotidiano, nas consultas, com amigos, comigo próprio. Mesmo que muitas vezes tentemos ignorar sentimentos, emoções, ressentimentos, fragilidades, enquanto não as encararmos elas vão estar sempre a incomodar-nos (tal como o insecto de que o Bono fala).
Bons dias e boas músicas.
DG 2018
“Starin’ at the sun
Afraid of what you’d find
If you took a look inside
Not just deaf and dumb
Staring at the sun
Not the only one
Who’s happy to go blind…
There’s an insect in your ear
If you scratch it won’t disappear
It’s gonna itch and burn and sting
Do you want to see what the scratching brings
Waves that leave me out of reach
Breaking on your back like a beach
Will we ever live in peace?”
Cláudio Abbado, 80 anos. Antigo diretor do Scala de Milão, da Ópera de Viena, ex-maestro principal na Orquestra Sinfónica de Londres, na Filarmónica de Berlim e também maestro convidado da Orquestra de Chicago.
Para além de ser um enorme e reconhecido artista, durante a sua vida teve um papel importantíssimo na divulgação da música clássica, sobretudo entre jovens e marginalizados. Acreditava que a formação musical era na realidade “a educação do homem”.
A página do facebook do Reflexões de um Psiquiatra já conta com mais de 2.000 Gostos!? Uau!
2.000 pessoas interessadas, muitas com dúvidas, muitos outros simplesmente curiosos (“vamos lá ver o que este tipo vai inventar”), outros a enfrentar os seus medos pessoais, a testar o caminho… Mas todos pessoas impecáveis que partilham o gosto por conhecer e por discutir assuntos da área da Saúde Mental e da Neurociência.
A vocês todos um grande like, espero quecontinuem a gostar. Espero que se envolvam mais no debate, que questionem mais, que se zanguem mais, que se riam mais.
Só desta maneira poderemos criar uma “grande onda de limpeza de preconceitos“! Ajudam-me nesta tarefa?
Aqui há uns dias estava a conduzir e passou a seguinte musica do John Mayer: “My stupid mouth”. E começa assim:
My stupid mouth has got me in trouble
I said too much again
To a date over dinner yesterday
And I could see she was offended
She said “well anyway”
Just dying for a subject change
(…)
How could I forget
Mama said “think before speaking”
No filter in my head
Oh, what’s a boy to do?
I guess he better find one soon
E veio-me à mente o seguinte: vejo muitos pacientes (mas não só, também amigos, também eu próprio) que têm problemas graves a nível interpessoal, constantes discussões com o marido/esposa, com os chefes ou colegas de trabalho, com amigos; pessoas que se envolvem em espirais de conflitos crescentes, que a certa altura já nem se percebe onde começou a desavença; amigos de longa data que por qualquer coisa (habitualmente uma pequena coisa que um deles fez mas que nem se apercebeu) quebram algo tão importante como uma amizade; casais que se amam e que se zangam sem conseguir fazer as pazes…
E depois lá recorrem ao psicólogo, ao psiquiatra, à terapia de casal ou familiar… Queixa-se disto, daquilo, imaginam que depois da consulta sairá um veredicto sobre quem têm ou não têm razão.
…Nada mais errado, estes técnicos não fazem juízos (pelo menos os de qualidade), para isso existem os tribunais! (E uma consulta não é um tribunal).
Todas estas situações são mais fáceis de resolver do que o que se imagina, basta usar a palavra mágica: DESCULPA.
Mas já dizia o Elton John, “Sorry seems to be the hardest word“. É verdade, por vezes é muito difícil pedir desculpa e é uma palavra que utilizamos muito pouco!
Todos erramos, todos os casais, amigos, famílias, colegas, etc. fazem por vezes coisas que magoam, que irritam, que chateiam. Não há excepções, todos erramos…
Então porque não evitamos as chatices pedindo desculpa?
Muitas vezes por orgulho (estúpido), porque não percebemos que magoámos o outro, porque temos vergonha, porque simplesmente não estamos habituados… ou, porque somos masoquistas (espero que esta hipótese se aplique a poucos!).
Gostei muito desta frase retirada deste post: “A genuine apology offered and accepted is one of the most profound interactions of civilized people. It has the power to restore damaged relationships, be they on a small scale, between two people, such as intimates, or on a grand scale, between groups of people, even nations. If done correctly, an apology can heal humiliation and generate forgiveness“.
Gostaria de acabar esta reflexão com um desafio para todos: usem mais a palavra desculpa.
E eu começo primeiro por pedir desculpa aqueles que magoei e nunca pedi desculpa!
Kurt Donald Cobain, nascido em Aberdeen a 20 de Fevereiro de 1967 foi um cantor, compositor e músico, famoso por ter sido o fundador, vocalista e guitarrista da banda grunge Nirvana.
Um génio musical sem dúvida, mas atormentado por… sabe-se lá o quê!?… Sabe-se que era um consumidor de drogas pesadas e abusava de álcool, que foi diagnosticado em criança com perturbação de défice de atenção e hiperactividade, sabe-se que escreveu uma música genial chamada “lithium” (o principal medicamento para tratar a doença bipolar). Sabe-se que se suicidou em 1994 deixando um legado musical de excelência e uma legião de fãs em choque.
Existem dúvidas se sofria ou não de doença bipolar, apesar da música “lithium” nunca se provou que este tomasse este fármaco ou que fosse seguido por algum Psiquiatra. Na realidade existem muitas “personalidades famosas” que se pensa sofrerem (ou terem sofrido) de doença bipolar: Jean-Claude Van Damme; Sinéad O’Connor; Vincent van Gogh; Virginia Woolf;Catherine Zeta-Jones; Abraham Lincoln; Agatha Christie; Charles Dickens; F. Scott Fitzgerald; Leon Tolstoy; Peter Tchaikovsky; Victor Hugo; etc.
É inegável que há muitos génios com doença bipolar: políticos, músicos, escritores, actores, etc. Mas a relação não é tão directa como parece. Pois quando a doença evolui descontroladamente a tendência é perder capacidades, assim como há também bipolares sem criatividade aumentada.
De um ponto de vista evolutivo parece que os genes responsáveis pela doença bipolar são vantajosos no que refere à criatividade, sobretudo quando não se expressam totalmente (ou seja não levam à doença mas sim a uma coisa chamada “temperamento ciclotímico”) o único problema é que quando surge a doença e esta não é tratada podemos ter consequências terríveis (como possivelmente aconteceu no caso de Kurt Cobain).
Será que se poderia ter feito alguma coisa?… será que ainda poderíamos contar com génios cuja vida acabou precocemente devido a uma eventual doença mental não tratada?