Um espaço de pensamento e ideias pessoais acerca de saúde mental, quotidiano, crises e alegrias. Por Diogo Guerreiro, Médico Psiquiatra e autor do livro “E quando não está tudo bem?”.
De facto, quando olhamos para a definição de Saúde da Organização Mundial da Saúde – “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” – é fácil perceber que o bem-estar é muito difícil de alcançar sem se ter autonomia.
Ser autodeterminado e independente, só é possível numa sociedade livre. Poder ser e pensar de forma diferente, ter a capacidade de decidir baseada nos nossos valores, poder perseguir os nossos sonhos, comunicar livremente, são todos fundamentais para o nosso bem-estar!
É bom viver num país democrático, nem consigo imaginar como será viver num sítio em que não poderia expressar a minha opinião (como estou a fazer neste post). Tenho muita pena que tantas pessoas neste planeta 🌍 ainda vivam em regimes autoritários, sujeitos a censura, a intolerância ou a a violência.
Viva a liberdade! Viva a paz ☮️! Viva a tolerância!
🎄🎅 O Natal e o ano novo, são épocas de balanços e de conexões. Para algumas pessoas são alturas de bem-estar, de relaxamento e bonitas. Para outras são alturas difíceis, de solidão ou de confrontos emocionais. Para outras são uma mistura disto tudo, nada há que seja “a preto e branco”.
Há muito tempo que não desejo boas festas aos meus pacientes. Digo-lhes apenas “as melhores festas possíveis”.
Tentar aproveitar o que há de bom, reconhecendo as coisas menos boas e sendo simpáticos para nós mesmos (não tentando estar “bem à força” porque é “suposto” estarmos felizes nesta altura do ano).
E era isto que vos queria deixar neste espaço virtual. Desejos de as melhoras festas possíveis.
Em consulta, uma jovem que sigo disse-me que tinha um síndrome que alguém já deveria ter colocado nas classificações psiquiátricas: o complexo de princesa 👸 da Disney.
Que este “complexo” fazia com que andasse sempre à procura daquele amor seguro ❤️, em que tudo corre como é suposto e acaba feliz para sempre. Mas que os príncipes encantados da vida real acabam sempre por desiludir. Pior que isso, até por a magoar (e abandonar)! 💔
E é injusto 😞, pois ela fazia tudo por estes príncipes… até deixar de ser quem era para os agradar e os deixar felizes.
⚠️ Erro número 1: nós não somos responsáveis pela felicidade dos outros. Mas somos, e muito, pela nossa. 😉
Claro que é possível ajudar “o outro” a ser mais feliz… mas mesmo com todos os esforços isso pode não acontecer, porque a felicidade é algo que se tem de procurar (e estar atento) por si próprio.
Também achava que este príncipes a iriam “salvar”, dos seus traumas, das suas inseguranças ou da sua tristeza. Algo que acabava sempre por acontecer de forma oposta ao desejado: ainda saía mais triste, mais traumatizada, mais insegura.
⚠️ Erro número 2: os “outros” até nos podem ajudar (ou desajudar), mas, em última análise, não precisamos de nenhum príncipe (ou princesa) para nos soltar da terrível torre, onde estamos aprisionados pelo temível dragão (das nossas inseguranças e dificuldades). Cada um de nós tem a chave do castelo e pode sair pela porta da frente de cabeça erguida. 😉
A meu ver, para uma relação afetiva funcionar tem de basear-se em algumas coisas: respeito, honestidade, equilíbrio (não pode haver um salvador e uma princesa indefesa), e, claro, afetos genuínos.
Até podemos encontrar um “príncipe encantado”, mas temos também de encontrar “a princesa encantada” dentro de nós… e não será sempre tudo perfeito (isso é só nos filmes)… e nunca teremos a certeza que seremos “felizes para sempre”. Mas se formos honestos, se praticarmos uma boa comunicação, se nos valorizarmos, se tratarmos bem de nós (e, consequentemente, dos outros), pode acontecer a “magia”. 👫👭👬
Abraços
Diogo Guerreiro
PS: Para quem quiser aprofundar mais este tema aconselho o livro “Psicanálise dos contos de fadas” do autor Bruno Bettelheim.
Após 6 vagas de covid, lá apanhei o bicho 🦠🤒. Felizmente, parece que as vacinas funcionam bastante bem e apenas tive sintomas ligeiros, estando no bom caminho para uma recuperação total 😀.
Cumprir a semana de isolamento foi algo desafiante, com miúdos em casa, uns positivos, outros negativos… mas lá se foi gerindo e estamos todos bem.
❗️Mas, de qualquer modo, aconselho todos a protegerem-se deste vírus pois, por vezes, isto não corre assim tão bem. ❗️
Esta paragem forçada no trabalho até teve alguns pontos positivos: li, estudei, escrevi, vi uns bons filmes, recuperei horas de sono e fui gerindo algumas situações dos meus doentes através dos meios digitais (teleconsultas, email, prescrições on-line), que tanto facilitam a vida nos dias de hoje (ainda sou do tempo em que os médicos prescreviam receitas à mão, com vinhetas e carimbos e claro… com letra ilegível que só os farmacêuticos percebiam) 👨⚕️😅.
Regresso esta quinta às consultas presenciais.
Até breve, abraços e Obrigado pelos desejos de melhoras. 🙏
Por vezes não sentimos, mas estamos sempre a ser empurrados para baixo.
Seja a escalar uma montanha, a deslizar num skate, a subir no elevador…. estamos sempre a ser empurrados para baixo.
Os cientistas chamam a isto a lei da gravidade. “Do ponto de vista cosmológico, a gravidade faz com que a matéria dispersa se aglutine, e que essa matéria aglutinada se mantenha intacta”, diz-me a Wikipédia.
Talvez daí o chão seja por onde se inicia a construção de uma casa, nas fundações, nos alicerces. Afinal, queremos que a nossa casa permaneça intacta e sólida.
Acho que ao nosso ser as leis de Newton também se aplicam. O quotidiano pesa-nos, o crescimento pesa, uma discussão parece impelir-nos para as profundezas da terra.
Penso muito nisto do chão, sobre a segurança (ou insegurança) a ele inerente. Mas o que é o “chão” do nosso “ser”?
Aqui as coisas complicam-se.
Será a segurança de saber que temos valor próprio? Será o saber que com a nossa força, com o nosso corpo, podemos desafiar a gravidade? Será o saber que somos amados?…
O chão é abstrato ou algo concreto? Poderemos mensurar se estamos a pisar um terreno sólido ou a cair em areias movediças?
À procura da segurança se descobrem muitas das nossas inseguranças. Talvez o chão seja simplesmente o chão, afinal, nunca se ouviu falar de alguém que tenha sido absorvido para o centro da terra porque, magicamente, tenha desaparecido um pedaço da crosta terrestre.
Há pessoas que têm sonhos recorrentes em que se sentem a cair, numa queda sem fim. Provavelmente, representando a sua própria insegurança em relação a si mesmos.
Como encontrar a tranquilidade de saber que pisamos terreno sólido? Se calhar não faz sentido a questão em si. Ou talvez a resposta seja: o chão varia, o nosso ser varia, os contextos variam. Mas não iremos, com certeza, ser absorvidos pelo vácuo.
Poderá ser que a tranquilidade e a segurança advenham de aceitar as coisas como são. Afinal a “matéria aglutinada mantém-se intacta”.
Se não pensarmos na gravidade não a sentimos. E o peso dissipa-se, o chão fica mais sólido… talvez sempre o tenha sido.
É habitual existir a expectativa que a época natalícia é, por si, uma altura feliz. Afinal é uma altura de celebração, de recomeços, de proximidade com as pessoas de quem gostamos. Mas, isto não corre sempre de acordo com o esperado. Sentir-se mais deprimido (ou ansioso) no Natal é algo, efetivamente, frequente.
Existem várias razões pelas quais isto pode acontecer, todo o rebuliço e stress desta altura, as mensagens constantes de felicidade (no matter what), o suposto reaproximar de amigos e familiares, podem colocar pressão acrescida em pessoas que estão em estado de fragilidade. Ou porque se sentem estranhos por “estar toda a gente feliz e eu não”, ou porque a angústia ou solidão que sentem é ainda mais vincada nesta fase… Isto pode acontecer apesar de não estarem nestes momentos sozinhos, muitas vezes sentir-se só na presença dos outros é uma experiência terrível.
Não nos podemos esquecer que os lutos, as separações ou as perdas não respeitam datas festivas. Tal como quando se está a sofrer de uma depressão ou de outra perturbação mental, é mesmo difícil sentir-se “feliz como é suposto”.
Quando se está deprimido ou ansioso é difícil aproveitar as ocasiões festivas. Não é possível forçar-se alguém (nem a si mesmo) a “estar bem”.
Algumas coisas podem ajudar:
Manter o autocuidado, tomando bem conta da sua saúde física e mental.
Aceitar que as coisas são como são. Se este ano não se sente assim tão bem, não faz mal.
Tente combater a solidão. Prefira a companhia de pessoas com quem se possa sentir à vontade, que saibam o que está a passar e com que pode partilhar este momento sem que se force a colocar a “máscara de está tudo ótimo”.
O álcool é um depressor, não se esqueça disso e consuma-o com moderação.
Luz solar, desporto, meditação, são estratégias que podem ajudar. Que tal um passeio na natureza nesta época festiva?
Liberte-se de expectativas, de procurar ter tudo perfeito ou de agradar a toda a gente.
Dê a si mesmo uma prenda de natal. Uma coisa ou uma atividade que seja algo que goste realmente.
Aproveito para desejar umas boas festas e uma serena entrada em 2022 a todos os seguidores deste blog.
Fui ontem ver o filme “A metamorfose dos pássaros”, realizado por Catarina Vasconcelos – candidato português ao óscar de melhor filme estrangeiro. É um filme muito diferente do habitual, com uma abordagem em que mais me parecia estar a ler poesia.
É-me difícil descrever como este filme me tocou. Esteticamente é uma obra de elevada originalidade e delicadeza, que nos toca muito para além daquilo que os olhos observam. A sua riqueza simbólica, assim como a aposta na metáfora como forma de comunicação, coloca o espectador num contacto constante com a sua mente emocional, moldando o que se passa no ecrã às suas próprias vivências. A mim fez-me lembrar os meus avós e percorrer alguns dos locais da minha infância. Acredito que a cada um evoque sensações e lembranças diferentes.
Muito do trabalho em psiquiatra e psicoterapia é aceder a esta parte emocional, assim como perceber as narrativas no modo único que cada pessoa as sente. Mesmo que isto tenha pouco a ver com o que objetivamente se passou. Muitas vezes lidamos com a perda e com os processos de luto que daí decorrem. E muitas vezes é difícil criar um sentido de algo que parece tão pouco racional. Nestes casos, algo essencial é deixar as emoções emergirem, algo que evitamos frequentemente no nosso dia-a-dia… por vezes é preciso inventar para superar, tal como a mensagem principal do filme “Aquilo que o ser humano não consegue explicar, inventa”.
Recomendo muito este filme! Se ainda o apanharem no cinema não percam a oportunidade.